segunda-feira, 11 de junho de 2012

Caminhar? Embriaga...

Comecei a caminhar quando resolveram que eu tinha que abandonar o cigarro. Quem determinou foi minha sobrinha Rayanna de 7 anos, no dia de ano novo, quando ela me pediu para deixar de fumar.
Precisava colocar alguma coisa no lugar do velho vício. Resolvi andar por ser uma atividade solitária, daquelas que não dependem de altos investimentos, de companhias ou grupos, que na minha idade nunca combinam as agendas, basta apenas coragem e um bom par de pernas.
Decisão tomada, agora precisava determinar apenas "o onde e o quando". O onde, apesar de ser mais fácil de se determinar veio em decorrência do quando, já que meu único tempo livre de fato seria as 5 da matina,  horário  escolhido também para justificar uma futura e previsível desistência.
A beira mar em Bairro Novo fica interditada das 5 até as 7 da manhã para que os gordos, ex-gordos,  ex-fumantes e os amantes do exercício físico matutino utilizem a via. Assim, ficou determinado o onde e o quando.
Para não abandonar no primeiro dia, tentei me munir de todos os apetrechos destinados a amenizar minha primeira experiência como ex-sedentário: pequena distância a ser percorrida, musicas preferidas no Iphone, fone de ouvido, app da Nike para controlar a distância e o tempo. Mais parecia uma aventura tecnológica.
Acordar cedo foi o primeiro obstáculo vencido, com a ajuda do meu inseparável telefone. Para não perder a coragem, não pensei duas vezes, bermuda, meia, tênis de caminhada comprado no dia anterior, camiseta e .... 65 kg de preguiça. Com 15 minutos após ter levantado  eu já estava na rua, na avenida beira mar, andando...
E foi ai que se deu a mágica...
O que mais me impressionou foi o estado de inconsciência que tomou conta de mim logo que comecei a caminhar. Parecia que o tempo havia voltado e eu ainda era um adolescente.
Com  a  avenida beira mar , por mim tão conhecida daquela época, tempo das peladas na praia, dos porres nos bares, apareceram várias fisionomias conhecidas, envelhecidas, que começaram a desfilar na minha frente. O interessante  é que para cada cinquentão que eu encontrava, me vinha lá do fundo da memória um rosto jovem e conhecido.
Foi uma verdadeira viagem no tempo, no meu tempo, na minha juventude. Foi uma viagem melancólica,  mas que reconstituiu um caminho que eu já havia esquecido a muitos anos, lembrando de pessoas que passaram na minha vida e que deixaram pequenas marcas.
Comecei a lembrar também daqueles que já se foram, daqueles que hoje não mais existem. Junto com a tristeza da perda, veio também a alegria por estar ali,  com aquelas casas, aquele mar, aquele céu.
 Assim, caminhar para mim ganhou um significado bem maior. Hoje, seis meses depois,  eu ando não só para tentar manter o corpo saudável, mas também para relembrar histórias de minha adolescência, fatos que pareciam na época não ter a mínima importância, mas que hoje eu os vejo como verdadeiras lições de vida.
O grande problema que eu tive após o primeiro dia foi físico. Apesar de ter planejado caminhar uma pequena distância, terminei andando quase 10 quilômetros, o que me deixou com fortes dores nas pernas, assim que o sangue esfriou. Verdadeiramente embriagado pelas lembranças, não senti o tempo passar,  nem o esforço físico que fiz. 


Junho de 2012

terça-feira, 5 de junho de 2012

Reflexos e Reflexões - 1981

- Vagabunda, ordinária! Você não serve para nada, velha surda! Como pode ser tão fraca, tão covarde???

A voz ecoou alta e estridente pelos corredores. Era do tipo autoritário, mas totalmente insegura, melancólica, um lamento profundo vindo de dentro de um corpo que olhava outro, com olhar fixo, pesado. O ódio se fazia presente  através da revolta interior visível na sua face, nas suas palavras e gestos.

- Olhe só para você, vivendo sozinha em meio a tantos trastes, nem a solidão lhe corroeu, nem pra casar você serviu.

As paredes eram frias e úmidas. Um leve tom esverdeado refletia a luz dos candeeiros que ardiam dia e noite, como se consumissem o tempo como combustível interminável.  Cada aposento parecia um museu abandonado; móveis enormes, de madeira escura bem trabalhada, grandes espelhos, tapetes felpudos e poeirentos. Salas enormes que viviam imersas numa semi-escuridão tranquila e enfadonha, cheirando a mofo, mergulhadas num silêncio que só era cortado pelo monólogo frio e espalhafatoso que se desenrolava, ecoando por aquelas paredes, se perdendo no tempo.

- Velha idiota! Você nunca teve coragem de enfrentar o mundo, de deixar que novas correntes lhe carregassem, que novas ideias e formas de viver tomassem conta de sua mente, me confinando aqui, me condenando a não viver, a não ter prazer, a não sentir, tornando toda essa desgraça uma constante na minha vida, como se fosse uma punição por um crime que nunca cometi. Se eu pudesse tocá-la eu a mataria sua velha. Você apodreceu por dentro. Você vive presa numa tumba. Tudo cheira a mofo, inclusive você, velha burra!!

O rosto triste parecia que ia se desmanchar de tanta amargura. Os olhos azuis, pesados, semi-cerrados, eram a única visão agradável naquele corpo nu, enrugado e flácido que continuava de  pé, falando, xingando, praguejando. Chorava como uma menina para depois gargalhar, numa risada sarcástica que se espalhava pelo casarão, querendo transmitir uma alegria que não existia, uma felicidade morta.

- Olhe para mim, veja como você me reduziu a um trapo velho e imprestável. Eu devia ter insistido, devia ter fugido de você. Você me obrigou a ficar aqui e me condenou a envelhecer, a apodrecer nessa sala, nesses quartos. Vá para o inferno!!!

O grito soou alto e ela caiu num choro grunido, mais algumas lágrimas rolaram no seu rosto e, enquanto chorava, baixou a cabeça, como se não quisesse ver a sua imagem refletida num grande e velho espelho, chorando também...

- Maldito tempo...

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Miragens - 1983


Um véu branco se movimenta graciosamente,
Lá distante,
Só perto do meu olhar.

Uma vela branca desliza lentamente,
Lá, no horizonte,
Só, sobre o mar.

Um bem-querer que se perde tristemente,
Lá fora,
Só um lamento ficará.

Um rosto alegre me aparece de repente,
Lá dentro,
Da saudade que me dá...

O Começo

Resolvi manter aqui apenas alguns pensamentos e idéias. Um aglomerado de palavras e frases  que as vezes me povoam a mente, e, como meu pai dizia, chegam a parecer com formiguinhas que fervilham dentro da cabeça, loucas para serem exteriorizadas.
Nos anos 80, então com 20 anos resolvi dar uma de escritor e escrevi alguns contos e poesias. Para ficar mais fácil, vou começar postando alumas coisas dessa época, mas que ainda hoje eu tenho como verdades.